viernes, 17 de abril de 2009

(...) Só me faltava esta...”, pensou a rainha. “ Bem feita, é o que recebes por confiar a beleza do mundo a um caçador de meia-tijela. Em questões desta índole, confiar em alguém simples que se deixa seduzir é um erro. Os feios deixam-se seduzir pelos belos. Os belos desprezam os belos. Os belos deixam-se seduzir pela bajulação dos espertos”.
Na floresta, Branca de Neve, a inocente, dá um largo passeio, longe da cabana onde vive com os sete anões. A tarde é solarenga, e uma brisa fresca e agradável acompanha a criança na sua passeata. A sua beleza exulta o cheiro das flores, a plumagem das árvores, a cor do céu azul e a suavidade da erva que ela pisa. A sua beleza embeleza o que a rodeia. Ela seduz para se deixar seduzir. Assim, inocentemente. A sua face neve virgem, com as bochechas rosadas, contrasta com os longos e espessos cabelos negros. Os olhos mais verdes que alface. A silhueta, perfeita. Os passos delicados e inocentemente elegantes. Uma beleza que seduziria belos. Uma beleza que irradia uma luz que cega os olhos. Uma beleza, que de tão bela, não se dá conta do seu poder.
Ao deparar-se com um rio de águas calmas e cristalinas, Branca de Neve, a inocente, vê pela primeira vez a sua imagem reflectida. Mas ela, na sua inocência, não se reconhece. Não sabe que a bela imagem que vê nada mais é do que a sua própria imagem reflectida. Ao ver-se a si mesma, sente-se especial. Chora e não sabe porquê. As lágrimas, ao caírem no seu reflexo, criam pequenas ondas circulares na água. Este solene momento é interrumpido pela chegada de Miudinho, o anão sem barbas. Desde da chegada de Branca de Neve a cabana, ninguém mais ouviu a sua voz. O seu silêncio era a consequência de ver tamanha beleza. Nada mais havia a dizer. Qualquer palavra sobrava ao lado de tal divinidade. Para Miudinho, aquela beleza era uma evidência absoluta. Um crime alheio do qual era culpado aonde uma palavra o podia denunciar. “Miudinho, Miudinho, quem é esta nas águas? Suplico-te que me respondas! Diz-me quem é! Quem é esta mulher?”. Miudinho fixa os seus olhos nos olhos húmidos de Branca de Neve e hesita. “Essa quem vês não deverias ter visto. É perigosa. Sempre que a vires, fecha os olhos.” Branca de Neve limpa as lágrimas dos olhos e responde afirmativamente com a cabeça.
“ Espelho meu, espelho meu, haverá alguém mais belo que eu?”, pergunta o principe enquanto afeita a barba. De seguida ri-se e dirige-se ao seu mestre: “ consegues acreditar que a rainha todos os dias pergunta isto ao seu espelho?”. O mestre, que escreve num caderno, sorri. “ Não me surpreende”, responde. “ E aposto, meu jovem príncipe, que a resposta nunca é do seu agrado”. O príncipe senta-se diante do seu mestre com um olhar interrogativo. “ Deves estar a perguntar a ti mesmo porquê. Não é certo meu jovem príncipe?”. “Sim é verdade. E agora pergunto-te a ti, mestre: Porque é que a resposta nunca é do seu agrado, se a rainha é uma mulher de uma beleza extraordinária? Se é uma das mulheres mais belas que alguma vez vi? Se quem faz a pergunta é a mesma pessoa que responde a pergunta?”. O mestre pára de escrever e ri-se. “ Se a resposta fosse do seu agrado, porquê fazer sempre a mesma pergunta, todos os dias?”. “ Por insegurança?”
O resto da história, vocês já conhecem...